7.6.13

descer a colina da autocomiseração



nem sempre os dias correm como se prevê. cliché. não deixa de ser verdade, às vezes. 
mas e nos dias em que tudo corre como se prevê? o que se diz? nada? como assim nada? o cliché deixa de existir? ou simplesmente nada há a dizer quanto à normalidade?
e talvez por nada haver a dizer quanto à normalidade, ele tenta muito não ser normal. às vezes até deseja, por brevíssimos instantes, que pudesse ter um defeito, daqueles pequenos, mas um defeito que pudesse fazer com que lhe apontassem o dedo nos dias em que ninguém parece reparar na cor do cabelo, no kilt que usa todos os dias, ou no código de barras que tem por cima do olho direito.
naquela tarde era um desses momentos em que questionava o porquê de ninguém o olhar. descia da graça em direção ao tejo por ruelas de alfama, passando por velhos que estendiam as suas roupas interiores em estendais improvisados cobertos por plásticos, por crianças que brincavam nos largos, por donas de casa que trocavam impressões sobre a vizinha nova do 4o andar do número 37, nem sempre com palavras que se devam reproduzir. e ninguém o olhava de revés. chegou a parar um pouco, tentando pôr um ar suspeito só para encontrar algum receio em alguém ou para que alguém o enxotasse. nada parecia resultar. ninguém o notava e ele próprio começou a duvidar que existisse. 
em momento algum lhe pareceu plausível falar com alguém, dirigir apenas um bom dia ou um olá. porque isso seria demasiado simples. claro que alguém iria reparar em mim se eu falasse diretamente para essa pessoa. isso não interessa. o que interessa é que apenas a minha presença lhes desperte algum sentimento, seja ele qual for, e que eu consiga pressentir isso.
 continuou a descer preso a estes pensamentos, que o afastava do que o rodeava, aumentando o seu distanciamento do mundo, e deixou simplesmente de reparar nas pessoas por quem passava, sentindo-se a enterrar na sua autocomiseração.
o mundo às vezes é cruel sem ter noção que o é.

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